Agora nem nómada, nem emigrante.


terça-feira, agosto 27, 2013

Compra

Num dia, cedo, como quem tarde, ela, cansada num cansaço sem lado físico, questiona ao vendedor:
- Tem romance?
- Quer de que tipo?
- Verdadeiro e agora.

sábado, agosto 17, 2013

Retornada


Parti naquela magrugada magoada com ele, quando esse destino já estava pensado não sendo obra do acaso, mas decisão minha de me afastar depois de ter passado aquelas horas todas numa frustração que ele admitiu. Volvidos vários anos, eis que se constroem situações e se destroem como se um gigante dissolvesse uma cidade em dois passos. Ficam sempre as ruínas que poderão ou não edificar-se em algo que não seja mera recordação. É difícil viver sempre numa sobra com sombras. Numa noite sou bestial e a minha arte persegue-me, mas ao acordar já não é bem assim. Deixa que se instale uma confusão, quando tudo é tão claro. Há demasiados pormenores que passaram a barreira do tempo e há um gostar de certas coisas que me aproximaram, mas repelida, fui-me embora como se o passado retornasse e voltei a sair mais uma vez da sua vida. Os anos passam e afinal ele não muda. Repudiou a minha escrita. Parece pouco, mas...

Eli

sábado, agosto 10, 2013

Missiva


Fico a pensar naquelas passagens que me fazem suspender a respiração, como se um suspiro fosse engolido para que conseguisse ler mais rápido. É como se fosse caminhando num trajeto de palavras, onde o acordo não tem voz, nem deixa de ter. São cumplicidades envoltas e perdidas como grãos de areia que se vão misturando com a água do mar num envolvimento que não se separa mais. É chegar todos os dias a casa, esperando que um abraço sentido nos abra a porta e se prometam mais beijos com aqueles que se dão. Por cada um, ficarão mais dois prometidos e assim sucessivamente para que nunca se acabaem.Quando se quer dar sempre beijos e ainda mais ansiar recebê-los, a continuação é perene. Que as palavras nunca se cessem, que me as escrevas sempre.

Eli

(Imagem de Eli)

sexta-feira, agosto 09, 2013

Flutuar






Apaguei o poema. Melhor eliminá-lo a azul, mas antes copiá-lo para um ficheiro qualquer. Poderás vir a perguntar-me por ele e quiçá rirmo-nos de tal disparate acróstico. Com a graça que deste às palavras desenhadas na areia, acabei por decifrar a mensagem que me tinha sido entregue em garrafas vazias. Ou assim quis que fosse, antes que a confiança acabasse. Antes assim, adultos. Entre música alta na tenda do vizinho e a insónia que me retardava o sonho, diverti-me a sonhar com aventuras e a viver num diário escrito, descrevendo o hilariante. Gosto quando o Sol me beija a pele, quando olho as dunas e vejo outro tipo de surf, onde as gaivotas dançam num voo qualificado. Embora lançar papagaios com os miúdos, para eles e como eles. Escreves-me mais e eu escrevo também, mesmo estando ao meu lado. Sorrio num sorriso secreto. Ninguém imagina porquê sem ousa imaginar que é o transbordar de um olhar que não é só meu. Ainda vês algo aqui? Ainda queres ficar?

Eli

(Imagem de Eli)

sexta-feira, agosto 02, 2013

Farsa



 
Ele estava ali tão perto e Elen não quis aproximar-se. Refugiou-se na atitude mesquinha que aprendeu com os homens.
Minutos antes, desceu até à areia, a chinelar. Não teve que dar muitos espaços até o reconhecer. Olhos postos no livro, sentado naquela cadeira, amortecendo a passagem dos dias.
Não foi como imaginava. Ela sempre pensara que ele deixasse as cadeiras de lado e se viesse deitar na areia. Interpretou, então, pela primeira vez na vida a farsa do medo. Deixou-se ficar a uma distância considerável, o que fez com ele não imaginasse que no meio dos transeuntes, encontrava-se ela, disfarçada com roupas coloridadas de praia, disfarçada de mais uma carregada de celulite, costas tortas e que é mais fácil ser-ser ignorada do que reparada.

Eli

quinta-feira, agosto 01, 2013

Era

Durante o lançamento de um livro, Iara aproxima-se de Eva e diz-lhe com um um brilho nos olhos, que a faz olhar em volta e dar-lhe a mão.
- Gostei muito de a ouvir. Tem uma voz muito peculiar. Ideal para leituras em voz alta.
Eva respira e força um sorriso que se abre rasgando os lábios.
- Obrigada. - Larga a mão de Iara e senta-se numa das cadeiras vazias. as cadeiras são todas pretas.
Outrora, aquela sala tinha estado cheia com variadíssimos autores, que escreviam todos para um tema e um livro em comum. Convidavam familiares e amigos que os iam assistir, permanecendo para um breve convívio em que trocavam autógrafos.
- Eva, calculo que lhe seja difícil a minha presença.
- Oh... - Perdeu a voz para um embargo suficiente. - ... sente-se aqui.
- Quer tomar alguma coisa?
- Só se for algo bem forte.
Iara foi buscar duas bebidas aparentemente femininas, mas bem fortes. Cada uma sorveu o seu primeiro gole como se estivesse a ganhar coragem. Finalmente, olharam-se nos olhos e concordaram em tratar-se na segunda pessoa.
- Eva, eu tinha que vir hoje. O teu livro representa muito para mim. Confesso que não estava à espera de a ouvir. Já fui a algumas apresentações de livros, mas os autores ficam sempre acabrunhados, escondidos a um canto como se esse reserva os levasse a algum lado. Os escritores costumam ser tímidos, no meu entender.
- Eu nunca fui tímida. Quem escreve, refugia-se muitas vezes atrás da página, abstendo-se de dar o corpo. A imagem talvez não funcione...
Iara interreompeu a escritora.
- Esta história que escreveu retrata muito da vida de uma pessoa que me é muito querida.
- Conheceu a Eli?
- Era minha tia.
Eva desatou num pranto e deixou-se ficar ali a chorar a perda daquela que conhecera tão bem, mas que afinal ainda tinha muito para desvendar.


Escrito por Eli Rodrigues